Páginas

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Sobre viver e guarda-chuvas






Era fim de tarde quando começou a chover, em poucos instantes a rua estampou-se de guarda-chuvas. Eram milhões deles, de todos os tipos: tortos, coloridos, velhos, vermelhos, transparentes... De repente enxerguei a calçada como um grande mosaico, um parque de diversão ou algo como Salvador Dali. Eu esperava o ônibus há uns quinze ou vinte minutos, e já era o suficiente pra ter ficado completamente molhada, mas eu não ligava, eu só tinha uma pergunta na cabeça: “Por que todas essas pessoas têm guarda-chuvas?” a resposta era meio óbvia, mas talvez não.
Cabelos, mochilas, crianças e envelopes. Homens e mulheres tentavam esconder tudo o que tinham sob seus preciosos guarda-chuvas, como se aquele objeto fosse uma benção, um escudo, e a chuva a ameaça.
“Não peça emprestada pra vizinha, compre já a sua sombrinha!”, ”Ainda bem que não deixei a minha em casa”, ”Vem logo, menino, tem espaço aqui em baixo... Não vá se molhar!”. Eu ouvia e não entendia qual era o problema em ficar, como eu, por algum tempo debaixo da chuva. Porque as pessoas se preocupavam tanto?
Era como se já tivessem saído de casa preparadas para o pior,deviam ter até lanternas em mantimentos em suas bolsas e bolsos, e eu lá, de alma lavada esperando o ônibus que poderia me levar para qualquer lugar. Desarmada.
Euforia juvenil, inconseqüência adolescente, não era nada disso. Acredite. Eu só não entendia o medo de viver que enxerguei nos olhares de todos naquele cenário, naquele lugar. Medo das coisas simples. Logo as pessoas, essas pessoas que dizem estar buscando a felicidade, justo as mesmas pessoas que cantam “Viver e não ter a vergonha de ser feliz”, por quê?
Incertezas?Insegurança?Vejo na dança dos dias, ouço no soar dos sinos que nem sempre tocam porque insistimos em mostrar que somos racionais, que sabemos o que fazer,que sabemos o que é certo e onde não se deve ir.
Como um cego e seu olhar anulando a expressão, meus amigos e irmãos se machucam tanto em vão... Querem entender as cores, analisar os amores, querem calcular canções como se fossem verbetes num dicionário arcaico,querem decifrar o mar como se todo mês fosse março.
Seria loucura se eu dissesse que ontem olhei as estrelas?Fiquei quase meia hora e não tentei consumi-las,eu simplesmente admirei,aceitei a beleza e o brilho delas, sem querer tornar artificial, sem pensar no capital, sem me trair.
Sintam, cantem e abracem. Digam mesmo, não disfarcem. Sejam mais de vocês mesmos, não precisa tanto medo, nem contar tanto segredo, não precisa se testar.
A vida é muito fácil, somos nós que complicamos tudo. Vamos acordar?



Vanessa Pondé